Quando se constrói um texto argumentativo, é muito importante
prestar atenção ao encadeamento das ideias. Afinal, para provarmos nosso ponto
de vista, é preciso que os argumentos que o sustentam estejam apresentados em
uma sequência lógica, conduzindo o leitor gradualmente à conclusão que ratifica
nossa tese.
Para atingirmos tal fim, devemos concatenar nossos argumentos de
acordo com métodos de
raciocínio, entre os quais se destacam a dedução e a indução. Esses
procedimentos são oriundos da filosofia e da matemática, mas ganharam destaque
nos estudos sobre argumentação, pois, de uma forma ou de outra, estão sempre
presentes quando se selecionam e organizam as premissas que provam determinada
tese.
1. A dedução
Chamamos de dedutivo o raciocínio que parte de uma afirmação
geral para casos particulares. Quando uma pessoa aprende uma regra geral e a
aplica a cada nova situação, está raciocinando de forma dedutiva. O professor
convida seus alunos a raciocinarem dedutivamente quando lhes ensina que as
plantas fazem fotossíntese, e depois pergunta: “as samambaias fazem
fotossíntese?”
Nesse caso, os alunos têm de operar logicamente neste sentido:
1. Todas
as plantas fazem fotossíntese. (Regra geral)
2. As
samambaias são plantas. (Caso específico)
3. Logo,
as samambaias fazem fotossíntese. (Conclusão)
Esse processo de raciocínio dedutivo, estruturado com uma
premissa geral, uma particular e uma conclusão, é chamado de silogismo.
Vamos ver agora como a dedução pode ser usada para estruturar a
argumentação em um texto. Para tanto, leia primeiro o artigo a seguir:
Texto
Não moro no Leblon
Claudio
Schamis
Não moro no Leblon. Estou esses dias até me sentindo um pouco
macambúzio apesar de também não morar em Búzios. E antes que alguém ou algum
morador de lá do Leblon me jogue uma pedra ou me critique, a pedra está a uns
dez metros do prédio onde mora o governador Sérgio Cabral. É só uma dica —
porque no escuro você não acha muita coisa, não é verdade? Afinal, como esse
povo de lá e o governador vêm sofrendo com os apagões, é meu dever enquanto
cidadão ajudar e me solidarizar. Daqui a pouco, uns por aí vão falar que é
coisa da oposição. Coisa e tal.
E deve ser mesmo essa coisa e tal que fez com que o presidente
(peguei você!) da Light, José Luiz Alqueres, soltasse uma pérola. Deve ser coisa
de presidente ou estar no contrato de trabalho. Segundo José, os moradores do
Leblon são mais exigentes que os da Baixada Fluminense. Você entendeu isso?
Pois é. Nem eu. É que segundo este indivíduo os moradores do Leblon moram em um
lugar mais abafado e, se não têm luz, não podem ligar o ar-condicionado e, como
têm mais acesso à reclamação, reclamam mais. Ah coitados!!
Um dia, se Deus quiser, ainda vou morar no Leblon para poder
junto com eles reclamar da falta do ar-condicionado e ficar só imaginando o que
aconteceu no capítulo daquele dia de apagão na novela de Manoel Carlos, o seu
Maneco (...).
Por outro lado — on
the other hand —, os moradores do Leblon não teriam como, por causa
dos constantes apagões, ouvir o que as imagens de políticos recebendo propina
disseram. Sorte deles.
(...)
Este texto, de caráter notadamente irônico, investe contra a
infeliz fala de José Luiz Alqueres, segundo o qual “os moradores do Leblon são
mais exigentes que os da Baixada Fluminense”. Como o autor do artigo discorda
de tal afirmação, desautoriza-a ironicamente em frases como “os moradores do
Leblon moram em um lugar mais abafado e, se não têm luz, não podem ligar o
ar-condicionado e, como têm mais acesso à reclamação, reclamam mais. Ah
coitados!!”
Ainda imbuído desse objetivo satírico, Claudio Schamis faz um
paralelo entre sua vida pessoal e a que pretensamente levam os moradores do
bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro: “Um dia, se Deus quiser, ainda vou morar
no Leblon para poder junto com eles reclamar da falta do ar-condicionado”. Com
isso, transpõe para uma situação particular hipotética – sua imaginária vida no
Leblon – características que foram generalizadas na fala descuidada do
presidente da Light: a reclamação da falta de luz no Leblon, mais procedente do
que em outros lugares, por causa da impossibilidade de ligar o ar-condicionado
no momento do apagão.
Para ressaltar o absurdo da discriminação entre a Baixada
Fluminense e o Leblon, o autor lança mão de um silogismo implícito:
1. Quando
falta luz, todos no Leblon reclamam porque não podem ligar os aparelhos de
ar-condicionado e o bairro é mais abafado do que a Baixada Fluminense, segundo
a visão de José Luiz Alqueres.
2. Um
dia, se Deus quiser, serei morador do Leblon.
3. Logo,
poderei reclamar da impossibilidade de ligar o aparelho de ar-condicionado, já
que meu bairro é mais abafado do que a Baixada Fluminense. Evoluindo do geral
para o particular, o autor constrói sua ironia com base dedutiva, o que
fortalece sua argumentação e reforça seu ponto de vista: a improcedência da
discriminação entre a Baixada Fluminense e o Leblon.
2. A indução
A organização dos argumentos em um texto também pode ser
norteada pela indução. Segundo esse método de raciocínio, partimos de
incidentes particulares para formarmos uma regra generalizante acerca do que
eles têm em comum.
A indução tem um papel de destaque no meio científico, pois a
maior parte das conclusões generalistas nasce da repetição de experimentos.
Assim, a partir do específico (o experimento), formula-se o conhecimento inespecífico
(o princípio geral).
Da mesma forma, um professor pode estimular em seus alunos o
raciocínio indutivo, se lhes oferece diferentes evidências a partir das quais
os discentes devem formular suas próprias regras. Veja:
1. A
conjunção porém
é invariável; (informação particular dada pelo professor)
2. A
conjunção e é
invariável; (informação particular dada pelo professor)
3. A
conjunção embora
é invariável; (informação particular dada pelo professor)
4. A
conjunção porque
é invariável; (informação particular dada pelo professor)
x) Logo, todas as conjunções são invariáveis. (conclusão geral
formulada pelo aluno)
No entanto, é preciso perceber que nem sempre a lógica indutiva nos conduz a conclusões verdadeiras, isto é, que se confirmem no mundo real. Por exemplo, muitos preconceitos surgem a partir de raciocínios que generalizam casos particulares isolados, como a máxima repetida pelo senso comum: “Todo político é corrupto”. Embora o povo tenha visto vários casos particulares de corrupção e crimes praticados por governantes do nosso país, uma afirmação generalista acerca do comportamento e da moral de todos os políticos é preconceituosa e constitui um argumento facilmente refutável em um debate.
No entanto, é preciso perceber que nem sempre a lógica indutiva nos conduz a conclusões verdadeiras, isto é, que se confirmem no mundo real. Por exemplo, muitos preconceitos surgem a partir de raciocínios que generalizam casos particulares isolados, como a máxima repetida pelo senso comum: “Todo político é corrupto”. Embora o povo tenha visto vários casos particulares de corrupção e crimes praticados por governantes do nosso país, uma afirmação generalista acerca do comportamento e da moral de todos os políticos é preconceituosa e constitui um argumento facilmente refutável em um debate.
No que diz respeito à argumentação bem fundamentada, porém, o
método indutivo pode ajudar a sustentar solidamente a tese de um texto. Para
que isso fique mais claro, leia o texto a seguir:
Texto
'Science' aponta cansaço da opinião pública nos EUA com debate climático. Tema ambiental não vence 'concorrência por atenção', diz especialista.
Do G1, em
São Paulo
Sinais de aquecimento são preocupantes, mas não evitam um certo
cansaço da opinião pública americana com o debate sobre mudança climática.
A avalanche de alertas sobre os riscos do aquecimento
global pode virar um belo tiro pela culatra. Artigo na edição de 13 de
novembro da revista 'Science' recupera recentes indicadores
de mudanças climáticas, confrontando-os com sinais de cansaço da opinião
pública com os repetidos avisos de que a temperatura pode sair do controle, com
consequências incontroláveis.
Citando uma pesquisa do Pew Research Center for the People and
the Press, o texto lembra que a proporção de americanos para quem "há
sólida evidência de que a temperatura média da Terra está aumentando no
decorrer das últimas décadas" caiu de 71% para 57%. A proporção de quem
vê nesse processo um problema muito grave ou "em certa medida
grave" também caiu, neste caso de 73% para 65%.
Outra pesquisa, do Instituto Gallup, indicou que a porcentagem
de americanos que consideram exagerada a gravidade do aquecimento global
cresceu para 41%, um recorde em 12 anos de realização desse levantamento.
"Aparentemente, advertências ansiosas de crises climáticas
iminentes não estão mais alcançando o público", afirma o artigo. Matthew Nisbet,
especialista em comunicação política da American University, em Washington,
avalia que "é muito difícil que qualquer evento climático vença
outras questões e informações concorrentes". Entre americanos, os temas
dominantes não são nada menos que duas guerras (no Iraque e no
Afeganistão), uma economia ainda cambaleante e a reforma do sistema de
saúde.
Para Nisbet, os cientistas precisam de um novo foco para sua
mensagem, tratando mais de efeitos localizados e questões mais imediatas, como
os impactos da crise climática sobre a saúde dos indivíduos.
Observe que o texto acima apresenta uma tese polêmica, veiculada
na revista Science:
segundo o autor do periódico científico, o excesso de alertas sobre as mudanças
climáticas desgasta o público e diminui o impacto de campanhas de
conscientização sobre o aquecimento global. No entanto, para chegar a uma
conclusão de tal natureza, que encerra uma generalização implícita
(“advertências ansiosas de crises climáticas não estão mais alcançando o
público”), o autor teve de partir de sólidos argumentos.
Nesse caso, o pesquisador da revista Science baseou-se em dados estatísticos
sobre estudos feitos com um grupo de americanos, em que grande parte dos
entrevistados revelou uma diminuição da preocupação com o aquecimento global e
um cansaço diante da propaganda ecológica. A partir dessas informações, obtidas
em experiências particulares com cada um dos entrevistados, o autor do artigo
pôde formular sua conclusão generalista: o público está se tornando resistente
à propaganda tradicional sobre o aquecimento global.
Com base nisso, no último parágrafo foi apresentada inclusive
uma proposta – também generalista – de solução para esse problema: “os
cientistas precisam de um novo foco para sua mensagem, tratando mais de efeitos
localizados e questões mais imediatas, como os impactos da crise climática
sobre a saúde dos indivíduos”.
Partindo do particular para o geral, o autor raciocinou
indutivamente para formular sua tese, como esquematizamos a seguir:
1. O
excesso de alarmes é considerado exagerado por esta pessoa;
2. O
excesso de alarmes é considerado exagerado por esta outra pessoa;
3. O
excesso de alarmes é considerado exagerado por mais esta outra pessoa;
4. Logo,
o excesso de alarmes é considerado exagerado por todas as pessoas.
Por fim, vale ainda ressaltar que a escolha de um ou outro
método de raciocínio não pode ser gratuita, mas sim baseada nos argumentos
disponíveis e no que o autor imagina acerca das opiniões e do conhecimento
prévios do interlocutor sobre o tema em debate.
Nesse sentido, cabe ressaltar que, sobre
coerência textual, geralmente um autor parte de informações que considera já
conhecidas do leitor (tema),
para depois apresentar o que julga ser novo (rema)
para o outro. E isso também vale para os argumentos e opiniões! Logo, parta de
um ponto de vista comum às pessoas envolvidas no debate para, ao longo de sua
argumentação, chegar à sua conclusão, convencendo o outro a pensar como você.
Assim, caso ache que há alguns exemplos particulares aceitos
pelo leitor de antemão, empregue o método indutivo, que o guiará desses
exemplos para uma conclusão mais generalista. No entanto, se julgar que seu
leitor compartilha com você determinado ponto de vista generalizador, parta
dele para chegar a uma conclusão mais específica, segundo a lógica dedutiva.
Fonte: RTA1CEDERJ