Fichamento:
aprendendo a selecionar
Ao
ler esta aula, talvez você esteja sublinhando trechos que julga importantes, ou
destacando-os com uma caneta marca-texto. Isso o ajuda a reter as informações
centrais do que lê, além de facilitar futuras consultas ao material, em busca
deste ou daquele dado importante. Há quem, além disso, utilize marcadores
coloridos de página ou clipes para acelerar ainda mais eventuais retornos a
pontos específicos do texto.
Essa
atividade de marcar na própria superfície do texto original o que se considera
mais relevante pode ser chamada de fichar. Além dela, porém, há a prática de
transcrever para uma folha à parte os trechos mais importantes de determinada
obra, procedimento comum quando se trata de livros emprestados por amigos ou
bibliotecas, nos quais não se podem deixar marcas. O conjunto físico dessas
transcrições também pode ser chamado de fichamento.
De
qualquer maneira, um fichamento consiste no registro das passagens selecionadas
de um texto, em que se expressam ideias e se apresentam fatos relevantes para
comprovar uma tese ou defender um ponto de vista do autor. Para tanto, a atividade
de fichar supõe leitura e releitura do texto-fonte, com atenção para a forma e
para o conteúdo do mesmo.
Nesse
sentido, o mais importante na produção de um fichamento é a identificação das
ideias centrais do texto-fonte. Vale ressaltar, porém, que diferentes pessoas
podem acrescentar/suprimir esta ou aquela passagem ao grupo de trechos
destacados como principais no texto original. Isso vai depender do conhecimento
que o leitor tem sobre o assunto, bem como da finalidade a que se destina seu
fichamento. Além disso, o próprio interesse do leitor é um relevante fator de
variação: em vez de uma apreensão geral do texto, ele poderia estar em busca de
informações ou argumentos mais específicos, e nesse caso seria legítimo
concentrar os esforços de fichamento em encontrar o que está sendo procurado.
Para
você ver, na prática, como se faz isso, vamos ler alguns fragmentos de um
ensaio, atentando para suas ideias centrais. Trata-se de parte do texto “Erros
e mentiras”, do biólogo Stephen Jay Gould, publicado na Revista de
Educação Pública do CECIERJ, em que as supressões são sinalizadas por (...).
Primeiro,
faça uma leitura inicial, para se familiarizar com o conteúdo e a linguagem do
ensaio. Depois, leia o texto novamente, agora sublinhando as passagens que você
julga mais importantes para sua compreensão.
Texto
I
Erros e mentiras
Stephen
Jay Gould
Fiorello
La Guardia pode estar destinado a entrar para a história basicamente como o
padrinho de um aeroporto. Mas foi um grande prefeito de Nova York nos anos
duros da Depressão e da Segunda Guerra. (...) Também possuía em abundância a
característica que apreciamos muito, mas raras vezes encontramos em pessoas que
assumem uma posição de destaque - a disposição de admitir seus erros ocasionais
e inevitáveis. Em sua tirada mais famosa, La Guardia disse certa vez:
"Quando eu erro, erro bem!”. (...)
Nenhuma
das grandes obras da ciência jamais foi isenta de erro, e qualquer obra mais
extensa ou revolucionária contém necessariamente alguns dos "erros
bons" de La Guardia. O progresso intelectual é uma rede complexa de
fintas, maus começos e experiências de tentativa e erro. A Origem das
espécies, de Darwin, por exemplo, apresenta inúmeros erros salpicando sua
massa oceânica de validade reformadora.
Os
erros são tão frequentes, e tão variados, que podemos até tentar dividi-los em
categorias.
Primeiro,
Darwin comete vários erros factuais. Aqui, vou deixar de lado os erros
entediantes e cotidianos cometidos no registro de informações, concentrando-me
nos erros muito mais interessantes baseados em previsões feitas a partir de
premissas teóricas que se revelaram falsas ou exageradas. O apego de Darwin ao
gradualismo, por exemplo, levou-o a fazer duas conjeturas portentosas e
extraordinariamente erradas: 1) afirmou que já se tinham passado mais de 300
milhões de anos desde o "desnudamento do Weald" (a erosão da região,
com cerca de sessenta quilômetros de largura, situada entre Chalk Downs do
norte e do sul, no sul da Inglaterra), baseado em sua convicção de que a erosão
geológica se dá aos poucos, grão por grão. Mas a alteração não precisa proceder
com tanta lentidão e nem de forma tão contínua, e o tempo transcorrido foi de
um terço a um quinto da generosa avaliação de Darwin. 2) A vida animal
multicelular começa abruptamente, do ponto de vista geológico, na explosão do
Cambriano, há cerca de 550 milhões de anos. Darwin, que rejeitava a rapidez
biológica com mais energia ainda que a variedade geológica, previu que a
"explosão" devia ter sido ilusória, e que a história pré-cambriana da
vida animal multicelular devia ter pelo menos mais outros 570 milhões de anos
de sucesso. Dispomos hoje de um excelente registro da vida pré-cambriana - e
nenhum animal multicelular aparece até pouco antes da explosão do Cambriano.
Uma segunda categoria podia ser rotulada de erros de julgamento: trata-se, na
verdade, de erros de cálculo político. Darwin, que era muito esperto, cometeu
poucos erros desta ordem, mas incorreu ocasionalmente neles ao dar rédeas a
especulações insensatas num tratado que devia sua força à âncora de sobriedade
que o prendia aos fatos, evitando as conjeturas fantasiosas das obras
anteriores sobre a evolução. (...)
Uma
terceira categoria, que talvez seja a mais reveladora, compreende os erros que
a maioria de nós não reconhece porque nós próprios também costumamos
cometê-los. Vamos chamá-los de erros da convenção impensada. Incluo aqui a
repetição passiva de suposições culturais generalizadas feita de modo tão
automático, ou tão profunda e silenciosamente incorporada à estrutura de um
argumento, que mal conseguimos detectar sua presença. (...)
Basta
lembrar a forma como Darwin trata a evolução dos pulmões dos vertebrados e a
relação entre eles e as bexigas natatórias dos peixes teleósteos - um exemplo
que Darwin obviamente considerava importante para sua argumentação mais geral,
porque repete a história meia dúzia de vezes na Origem. Darwin começa
assinalando, corretamente, que os pulmões e as bexigas natatórias são órgãos
homólogos - versões diferentes da mesma estrutura básica, assim como as asas
dos morcegos e as patas dianteiras dos cavalos têm uma origem comum, indicada
pelo arranjo similar dos ossos em partes do corpo que hoje atuam de maneira tão
diferente. Mas Darwin extrai uma falsa inferência da homologia. (3) Afirma, com
uma confiança que vai aumentando e acaba se transformando em certeza, que os
pulmões se desenvolveram a partir das bexigas natatórias:
Todos
os fisiologistas afirmam que a bexiga natatória é homóloga [...], em posição e
estrutura, aos pulmões dos animais vertebrados superiores; portanto, não me
parece haver muita dificuldade em acreditar que a seleção natural tenha de fato
convertido uma bexiga natatória num pulmão, ou órgão usado exclusivamente para
a respiração. Na verdade, não duvido que todos os animais vertebrados dotados
de verdadeiros pulmões sejam descendentes de um antigo protótipo, do qual nada
sabemos, dotado de um aparelho de flutuação ou bexiga natatória.
(...)
O
primeiro procedimento a ser adotado para fichar tal texto é identificar a tese
central defendida pelo autor em sua argumentação. Após uma introdução que
situa, por meio de uma notória citação, o tema do ensaio, a tese pode ser
destacada, logo no segundo parágrafo:
Nenhuma das grandes obras da ciência
jamais foi isenta de erro, e qualquer obra mais extensa ou revolucionária
contém necessariamente alguns dos "erros bons" de La Guardia. O
progresso intelectual é uma rede complexa de fintas, maus começos e
experiências de tentativa e erro.
A
seguir, é digno de fichamento o trecho que define o exemplo utilizado pelo
autor, ao longo de todo o texto, para sustentar seu posicionamento acerca da
importância do erro:
A Origem das espécies, de
Darwin, por exemplo, apresenta inúmeros erros salpicando sua massa oceânica de
validade reformadora.
Tal
exemplo, no entanto, desdobra-se em três outros tópicos, com ainda mais
subdivisões, cujas passagens fichadas apresentamos a seguir:
·
os erros factuais (exemplificados
pelas considerações acerca do desnudamento do Weald e do início da vida
multicelular)
Primeiro,
Darwin comete vários erros factuais (...) erros muito mais interessantes
baseados em previsões feitas a partir de premissas teóricas que se revelaram
falsas ou exageradas
- afirmou que já
se tinham passado mais de 300 milhões de anos desde o ‘desnudamento do
Weald’”(...), baseado em sua convicção de que a erosão geológica se dá aos
poucos, grão por grão. Mas a alteração não precisa proceder com tanta
lentidão e nem de forma tão contínua, e o tempo transcorrido foi de um
terço a um quinto da generosa avaliação de Darwin.
- (...) A vida
animal multicelular começa abruptamente, do ponto de vista geológico, na
explosão do Cambriano, há cerca de 550 milhões de anos. [Porém]
Darwin(...), previu que a "explosão" devia ter sido ilusória, e
que a história pré-cambriana da vida animal multicelular devia ter pelo
menos mais outros 570 milhões de anos de sucesso
· os
erros de julgamento
Uma segunda categoria podia ser
rotulada de erros de julgamento: trata-se, na verdade, de erros de cálculo
político. Darwin, que era muito esperto, cometeu poucos erros desta ordem, mas
incorreu ocasionalmente neles ao dar rédeas a especulações insensatas num
tratado que devia sua força à âncora de sobriedade que o prendia aos fatos,
evitando as conjeturas fantasiosas das obras anteriores sobre a evolução.
· os
erros de convenção impensada (exemplificados pelas considerações acerca dos
órgãos homólogos de alguns peixes e mamíferos)
Uma
terceira categoria, que talvez seja a mais reveladora, compreende os erros que
a maioria de nós não reconhece porque nós próprios também costumamos
cometê-los.
Darwin extrai uma falsa inferência da
homologia. (3) Afirma, com uma confiança que vai aumentando e acaba se
transformando em certeza, que os pulmões se desenvolveram a partir das bexigas
natatórias.
Veja
que, em nosso fichamento, destacamos a tese do texto e os argumentos que a
sustentam. Mas, e você? O que destacou como mais importante? Lembre-se de que,
embora haja uma variação possível de respostas, sua seleção de passagens não
pode diferir demasiadamente dessa que propomos.
Outra
dica importante para identificar os pontos centrais de um texto é atentar para
o tópico frasal de cada parágrafo, como vimos na aula 2. Em linhas gerais,
pode-se dizer que cada parágrafo de um texto apresenta uma ideia central, que
normalmente está entre as mais importantes do texto como um todo.
Ainda
no que diz respeito ao texto que acabamos de ler, caso você tivesse de
transcrever os trechos destacados para uma folha à parte, seria interessante
fazê-lo na forma de tópicos, e não de um texto “corrido”. Isso facilita
consultas posteriores ao fichamento. Ademais, caso você esteja sintetizando as
ideias de um livro, é importante anotar, ao final de cada transcrição, a página
de onde ela foi retirada. Do contrário, torna-se muito lento e pouco prático o
processo de localização dessas passagens no original.
Antigamente,
era muito comum os professores exigirem dos alunos que fichamentos fossem
feitos em folhas de papel especiais, chamadas de fichas. Estas tinham um
tamanho especial, próprio para serem arquivadas em compridas gavetas, a fim de
organizar a informação e garantir sua preservação. Hoje, porém, com a
facilidade ensejada pela informática, torna-se mais comum digitar os
fichamentos, que podem ser armazenados e organizados em pastas digitais.
Na
prática, dadas as facilidades de copiar e colar, é inclusive mais fácil fichar
um texto digitado, o que não impede, contudo, um bom trabalho de fichamento de
texto impresso. Todavia, é comum, no curso da leitura, ficharmos mais do que é
necessário para a compreensão do texto e só nos darmos conta disso ao final do
trabalho. Como o fichamento eletrônico pode ser facilmente editado, acaba
ficando mais limpo, ao contrário do que costuma acontecer na cópia em papel.
Agora,
vamos pôr em prática o que você acabou de aprender?
Atividade 1
Elabore
um fichamento das passagens que considera mais relevantes do texto a seguir,
produzido pelo sociólogo Cândido Grzybowski. Porém, primeiro faça uma leitura
inicial para se familiarizar com a forma e o conteúdo do texto; só depois da
segunda leitura destaque o que julga mais importante.
Texto
II
Mudar mentalidades e práticas: um
imperativo
Cândido
Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
A
crise climática é a consequência mais evidente, mais imediata e mais ameaçadora
do modelo industrial, produtivista e consumista em que se baseia a nossa
economia e o modo de vida que levamos. Não se trata de algo conjuntural, mas de
esgotamento de um sistema que tem como motor o ter e o acumular, ou seja, um
desenvolvimento que tem como pressuposto básico o crescer, crescer mais, sem
parar, sem respeitar limites naturais, tudo para concentrar riquezas. Como
condição para desenvolver, não importa a destruição ambiental que possa
provocar, nem que a geração de riqueza seja, ao mesmo tempo, geração de
pobreza, exclusão social, desigualdades de todo tipo. O aquecimento global e a
crise do clima são, por isso, expressões de uma inviabilidade intrínseca deste
desenvolvimento. Tanto de um ponto de vista ambiental como social, não dá para
tornar sustentável tal desenvolvimento.
A
crise está aí. Não a vê quem não quer. Não adianta pensar que dá para se safar,
que não é com a gente. O clima, como bem comum, tem a virtude de ser
cosmopolita, para o bem e para o mal. Só que a mudança climática resultante do
tipo de economia que temos, em especial sua base energética, afeta e afetará
particularmente os 80% da humanidade que pouco ou nada receberam deste modelo
de desenvolvimento.
Estamos
diante de uma crise civilizatória, é isto que precisamos reconhecer para poder
reagir enquanto ainda é tempo. A lógica do desenvolvimento, gestada com a
revolução industrial, tornou-se o motor econômico, político e cultural do mundo
nos últimos séculos. Não se trata mais de um embate nos velhos termos –
capitalismo x socialismo – no marco da civilização industrial e seus
desdobramentos. Estamos diante da crise da própria civilização industrial e de
seus modelos de organização econômica e política – a dominante capitalista e a
desafiante e subalterna socialista – para a sociedade. São os fundamentos desse
tipo de civilização que se esgotaram. Literalmente, derreteram, foram
consumidos pelas suas próprias contradições. E ameaçam o planeta inteiro.
Estamos
diante de uma urgência e uma radicalidade: aqui e agora, precisamos transformar
nossos ideais, modos de pensar e os sistemas políticos, econômicos e técnicos
que sustentam o desenvolvimento. A ruptura tem de ser total, de ponta-cabeça.
Passar de uma civilização industrial e produtivista para uma biocivilização,
comprometida com a vida no planeta, implica verdadeira revolução.
A
ruptura é espinhosa. O desenvolvimento está incrustado na gente, é um valor.
Desenvolvimento lembra imediatamente progresso. E quem não quer progresso? O
problema é que deixamos de discutir a qualidade de vida que nos traz o
progresso. Quanto de lixo, poluição e destruição estão associados a este
progresso!
Será
que para viver bem precisamos sempre de mais? Ter mais e mais bens, trocando
sempre porque estragam logo (feitos para não durar) ou pela compulsão, que o
ideal nos impõe, de adquirir o último modelo. Isso só gera destruição em todo
ciclo, da extração das matérias-primas ao lixão onde jogamos os bens em desuso.
Já paramos para pensar quem está ganhando nesta história?
Não
há dúvida de que existem enormes necessidades não atendidas. Muita gente tem
seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais não atendidos. Grupos
e povos inteiros estão condenados à exclusão, miséria, fome, pobreza, privações
de todo tipo. Mas por quem e como isto é gerado? Quanto mais se desenvolve o
mundo na base deste modelo – como agora com a globalização ficou mais evidente
ainda –, mais e mais desigualdade se gera no mundo. Apenas 20% da humanidade
consome mais de 80% dos recursos naturais e dos bens e serviços produzidos por
este sistema. E o pior é que se fosse generalizá-lo para atender a todos os
seres humanos, aí faltaria planeta, faltariam recursos naturais! Foi criada a pegada
ecológica (foot print), pelos ecologistas, exatamente para avaliar
essa apropriação indevida da natureza pelas camadas privilegiadas da população
e pelos países mais desenvolvidos. Para viver, na média de um norte-americano,
a humanidade precisaria de uns cinco planetas. Por isso, mudar é uma condição sine
qua non.
Impõe-se
uma grande revolução de mentalidades e de sistema de valores. Precisamos
superar a ideologia do progresso e voltar a colocar no centro a justiça social
e ambiental com a ideia de bem viver para todas as pessoas. Isto enquanto ainda
é tempo, pois se não mudarmos já... amanhã será tarde. Comecemos disputando
sentidos e significados do desenvolvimento que nos é dado como salvação. Há uma
ditadura de pensamento econômico no debate e nas decisões políticas, como se
nada pudesse ser feito sem crescimento econômico como condição prévia.
Considerações ambientais e sociais são custos na visão economicista dominante e
não bases em que assentam as próprias sociedades. Repolitizar tudo é a palavra.
Trata-se de submeter o econômico e o mercado, a ciência e as técnicas, as
estratégias de desenvolvimento a uma filosofia de vida que vê os seres humanos
como parte intrínseca do meio natural e em íntima interação com todos os seres
vivos, em sua biodiversidade, seus territórios.
Estamos
diante da necessidade de um novo paradigma ético, analítico e estratégico para
iniciarmos aqui e agora a mudança. Precisamos de uma infraestrutura mental, de
uma revolução cultural, que reponha tudo no lugar, o lugar da vida, da
natureza, das ideias, de nossa enorme capacidade coletiva de criar, de
inventar. Ponhamos isto tudo a serviço de um reencontro entre nós mesmos, seres
humanos, com a diversidade do que somos e do que sabemos fazer e criar. Mas
nosso reencontro, também, precisa ser com o meio ambiente do qual sugamos a
vida e do qual somos parte integrante.
Mas o fundamental é estarmos
convencidos que outro mundo é possível. A dúvida só retarda a ação efetiva.
Pior, permite que sejamos presas fáceis de um falso discurso sobre a
necessidade de agredir o meio ambiente para desenvolver, para resolver nossos
gritantes problemas sociais. Uma coisa é encarar nossas necessidades
inadiáveis, outra é confundir isso com apoio aos grandes conglomerados
econômicos e financeiros para que tratem do problema. Isso vai das grandes
hidroelétricas ao agrocombustível, do desmatamento para criação de bois e dos
grandes desertos verdes para celulose ao apoio às grandes empreiteiras porque
criam empregos. Nenhuma ação política de mudança poderá acontecer se nós,
cidadãs e cidadãos, não acreditarmos que ela pode, precisa e queremos que
aconteça.
Respostas Comentadas
Reproduzimos a seguir o texto da atividade 1, sublinhando os
trechos que julgamos dignos de fichamento. Trata-se da ideia central do texto,
acerca da relação entre mudança climática e o pretenso progresso, bem como os
argumentos que sustentam o posicionamento do autor e sua conclusão acerca do
tema. Lembre-se de que esta é uma atividade que admite algumas variações de
respostas, de modo que você pode ter julgado esta ou aquela passagem digna ou
não de figurar no fichamento. De modo geral, porém, espera-se que sua resposta
não difira demasiadamente desta que propomos.
Texto II
Mudar mentalidades e práticas: um imperativo
Cândido Grzybowski
Sociólogo,
diretor do Ibase
A crise climática é a consequência mais evidente, mais imediata e
mais ameaçadora do modelo industrial, produtivista e consumista em que se
baseia a nossa economia e o modo de vida que levamos. Não se trata de algo conjuntural, mas de esgotamento de um
sistema que tem como motor o ter e o acumular, ou seja, um desenvolvimento que
tem como pressuposto básico o crescer, crescer mais, sem parar, sem respeitar
limites naturais, tudo para concentrar riquezas. Como condição para
desenvolver, não importa a destruição ambiental que possa provocar, nem que a
geração de riqueza seja, ao mesmo tempo, geração de pobreza, exclusão social,
desigualdades de todo tipo. O aquecimento global e a crise do clima são, por
isso, expressões de uma inviabilidade intrínseca deste desenvolvimento. Tanto
de um ponto de vista ambiental como social, não dá para tornar sustentável tal
desenvolvimento.
A crise está aí. Não a vê quem não quer. Não adianta pensar que dá
para se safar, que não é com a gente. O clima, como bem comum, tem a
virtude de ser cosmopolita, para o bem e para o mal. Só que a mudança
climática resultante do tipo de economia que temos, em especial sua base
energética, afeta e afetará particularmente os 80% da humanidade que pouco ou
nada receberam deste modelo de desenvolvimento.
Estamos diante de uma crise civilizatória, é isto que precisamos
reconhecer para poder reagir enquanto ainda é tempo. A lógica do
desenvolvimento, gestada com a revolução industrial, tornou-se o motor
econômico, político e cultural do mundo nos últimos séculos. Não se trata
mais de um embate nos velhos termos – capitalismo x socialismo – no marco da
civilização industrial e seus desdobramentos. Estamos diante da crise da
própria civilização industrial e de seus modelos de organização econômica e
política – a dominante capitalista e a desafiante e subalterna socialista –
para a sociedade. São os fundamentos desse tipo de civilização que se
esgotaram. Literalmente, derreteram, foram consumidos pelas suas próprias
contradições. E ameaçam o planeta inteiro.
Estamos diante de uma urgência e uma radicalidade: aqui e agora,
precisamos transformar nossos ideais, modos de pensar e os sistemas políticos,
econômicos e técnicos que sustentam o desenvolvimento. A ruptura tem de ser
total, de ponta-cabeça. Passar de uma civilização industrial e produtivista
para uma biocivilização, comprometida com a vida no planeta, implica verdadeira
revolução.
A ruptura é espinhosa. O desenvolvimento está incrustado na gente,
é um valor. Desenvolvimento lembra imediatamente progresso. E quem não quer
progresso? O problema é que deixamos de discutir a qualidade de vida que nos
traz o progresso. Quanto de lixo, poluição e destruição estão
associados a este progresso!
Será que para viver bem precisamos sempre de mais? Ter mais e mais
bens, trocando sempre porque estragam logo (feitos para não durar) ou pela
compulsão, que o ideal nos impõe, de adquirir o último modelo. Isso só gera
destruição em todo ciclo, da extração das matérias-primas ao lixão onde jogamos
os bens em desuso. Já paramos para pensar quem está ganhando nesta história?
Não há dúvida de que existem enormes necessidades não atendidas.
Muita gente tem seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais não
atendidos. Grupos e povos inteiros estão condenados à exclusão, miséria, fome,
pobreza, privações de todo tipo. Mas por quem e como isto é gerado? Quanto mais
se desenvolve o mundo na base deste modelo – como agora com a globalização
ficou mais evidente ainda –, mais e mais desigualdade se gera no mundo. Apenas
20% da humanidade consome mais de 80% dos recursos naturais e dos bens e
serviços produzidos por este sistema. E o pior é que se fosse generalizá-lo
para atender a todos os seres humanos, aí faltaria planeta, faltariam recursos
naturais! Foi criada a pegada ecológica (foot
print), pelos ecologistas, exatamente para avaliar essa apropriação
indevida da natureza pelas camadas privilegiadas da população e pelos países
mais desenvolvidos. Para viver, na média de um norte-americano, a humanidade
precisaria de uns cinco planetas. Por isso, mudar é uma condição sine
qua non.
Impõe-se uma grande revolução de mentalidades e de sistema de
valores. Precisamos superar a ideologia do progresso e voltar a colocar no
centro a justiça social e ambiental com a ideia de bem viver para todas as
pessoas. Isto enquanto ainda é tempo, pois se não mudarmos já... amanhã
será tarde. Comecemos disputando sentidos e significados do desenvolvimento que
nos é dado como salvação. Há uma ditadura de pensamento econômico no debate e
nas decisões políticas, como se nada pudesse ser feito sem crescimento
econômico como condição prévia. Considerações ambientais e sociais são custos
na visão economicista dominante e não bases em que assentam as próprias
sociedades. Repolitizar tudo é a palavra. Trata-se de submeter o econômico e
o mercado, a ciência e as técnicas, as estratégias de desenvolvimento a uma
filosofia de vida que vê os seres humanos como parte intrínseca do meio natural
e em íntima interação com todos os seres vivos, em sua biodiversidade, seus
territórios.
Estamos diante da necessidade de um novo paradigma ético,
analítico e estratégico para iniciarmos aqui e agora a mudança. Precisamos de
uma infraestrutura mental, de uma revolução cultural, que reponha tudo no
lugar, o lugar da vida, da natureza, das ideias, de nossa enorme capacidade
coletiva de criar, de inventar. Ponhamos isto tudo a serviço de um reencontro
entre nós mesmos, seres humanos, com a diversidade do que somos e do que
sabemos fazer e criar. Mas nosso reencontro, também, precisa ser com o meio
ambiente do qual sugamos a vida e do qual somos parte integrante.
Mas o fundamental é estarmos convencidos de que outro mundo é
possível. A dúvida só retarda a ação efetiva. Pior, permite que sejamos presas
fáceis de um falso discurso sobre a necessidade de agredir o meio ambiente para
desenvolver, para resolver nossos gritantes problemas sociais. Uma coisa é
encarar nossas necessidades inadiáveis, outra é confundir isso com apoio aos
grandes conglomerados econômicos e financeiros para que tratem do problema.
Isso vai das grandes hidroelétricas ao agrocombustível, do desmatamento para
criação de bois e dos grandes desertos verdes para celulose ao apoio às grandes
empreiteiras porque criam empregos. Nenhuma ação política de mudança poderá
acontecer se nós, cidadãs e cidadãos, não acreditarmos que ela pode, precisa e
queremos que aconteça.
Resumo: aprendendo a sintetizar
A paráfrase é
uma forma de
intertextualidade muito presente no dia-a-dia das pessoas. Quando alguém
reconta algo que viu ou leu, mantendo o conteúdo do texto original, mas
reescrevendo-o com as próprias palavras, diz-se que há uma relação
intertextual do tipo paráfrase entre o texto original e o produzido a
partir dele. Trata-se de uma maneira diferente de dizer algo que já foi
dito.
|
|
Quando um amigo não assiste a uma
aula e pede que você lhe conte o que foi discutido na interação com os outros
colegas e o professor, você certamente não reproduz palavra por palavra as
falas dessas pessoas. Mais preocupado com o conteúdo do que com a forma do
texto original, você acaba sintetizando-o e produzindo um novo texto, agora de
sua autoria, em que usa suas próprias palavras. A esse fenômeno chamamos de
paráfrase.
.
Por
meio dessa paráfrase, você conseguiu reproduzir os pontos centrais do
texto-fonte para seu interlocutor, atendendo às necessidades dele e utilizando
sua própria forma de falar. Isso que você fez foi um resumo, gênero textual
muito comumente adotado como forma de estudo pelos alunos.
Tal
gênero também tem grande relevância nas atividades acadêmica e profissional,
pois quase sempre textos um pouco mais longos dessas áreas são acompanhados de
um resumo. Este permite uma rápida apreciação geral de seu conteúdo, o que
ajuda a guiar a leitura e mantém o leitor atento para os pontos principais do
texto. Algumas publicações, a exemplo das revistas acadêmicas, põem o resumo
antes do corpo do texto; outras, no final. No caso de monografias de fim de
curso, dissertações e teses, é comum que o resumo conste no início. O resumo dá
visibilidade às ideias do texto a que se refere e favorece a avaliação das
mesmas pelas pessoas interessadas em pesquisar sobre o tópico do trabalho que
está resumido.
Também
é interessante notar que o resumo compartilha algumas propriedades do
fichamento, como o caráter intertextual e a síntese dos pontos principais do
texto-fonte. No entanto, um resumo não pode ser composto por meras transcrições
do texto original, sendo necessária a reelaboração do mesmo com suas próprias
palavras. Nesse sentido, ele pode ser considerado um texto mais autônomo.
Além
disso, se um fichamento é composto por uma sequência de transcrições entre as
quais não há marcas de coesão explícitas, um resumo deve primar pela ligação
clara entre as ideias, utilizando mecanismos como os estudados na aula 3. Até
mesmo porque o caráter sintético do resumo torna-o um texto de grande
densidade, em que muitas ideias importantes são apresentadas em poucas frases.
Para que isso não se torne um obstáculo à leitura, é preciso atentar
especialmente para a coesão, a coerência e a clareza nesse gênero.
As
instituições que promovem congressos, conferências, simpósios e seminários
exigem resumos densos, que são avaliados por pareceristas, para aceitar ou
rejeitar as contribuições de seus membros. Portanto, tomam o resumo como
amostra da forma e do conteúdo dos textos que neles circulam. Entre os legados
acadêmicos desses eventos, sobressaem os cadernos de resumos. Os órgãos de
financiamento normalmente também exigem que os projetos de pesquisa sejam
precedidos por um resumo, que é o primeiro item a ser avaliado pelos
pareceristas e, para determinados tipos de projeto, é a peça básica a ser
avaliada. Quanto às suas dimensões, podemos considerar que o resumo
convencional varia entre um mínimo de 60, uma média de 100 e um máximo de 150
palavras, enquanto o resumo expandido pode conter até 500 palavras.
A
estrutura do resumo de artigos científicos é altamente padronizada. Ele deve
conter informações precisas sobre o contexto da área de investigação em que se
deu a produção do trabalho, seus objetivos, o corpus utilizado, a
metodologia de coleta e análise, a orientação teórica do estudo e os principais
resultados, contribuições ou retornos. O tema do trabalho transparece no título
e nas palavras-chave.
A
orientação das instituições de pesquisa que organizam e disponibilizam os
resumos, a exemplo de Oxford abstracts, é que as informações estejam
organizadas na sequência referida há pouco. Logo, em primeiro lugar deve
aparecer uma menção ao tópico de investigação, com destaque para uma lacuna que
justifique o estudo. O objetivo geral da pesquisa estaria voltado para
preencher tal lacuna. Se isso parecer ainda muito genérico, pode ser detalhado
nos objetivos específicos. Para alcançar tais objetivos, explicita-se o corpus
e o modo de coletar os dados, organizá-los e analisá-los, bem como o
contexto teórico específico no qual o estudo se insere, com o mínimo de referência
a autores, seguidos da data de suas obras. O resumo se conclui geralmente com
os resultados (ainda que parciais) e com recomendações para novos estudos. As
palavras-chave, entre três e cinco, localizam os principais tópicos do
trabalho.
Agora,
vamos ler e observar as partes do resumo seguinte, produzido por nós, referente
a um projeto de pesquisa sobre a relação entre a linguagem e as ofensas verbais
em textos da Idade Média e da contemporaneidade:
Texto
III
A linguagem como instrumento do poder:
agressões e ofensas verbais de gênero nas cantigas satíricas medievais e
contemporâneas
Lei
aprovada na semana passada pela Assembleia bane os aparelhos das salas de aula.
Além de conversar, estudantes usam os telefones para colar nas provas.
Resumo
A
atitude de escárnio contra as pessoas que destoam do padrão está naturalizada
na cultura luso-brasileira. Os movimentos em prol da igualdade e plenitude dos
direitos humanos convivem com uma lacuna no conhecimento da origem e
permanência dessa naturalização, a qual precisam compreender, para lidar com
esse imaginário de escárnio, agressão e violência, que desqualificam e humilham
os diferentes. Na cultura escolar, o ensino fundamental defronta-se com o
clímax do gênero discursivo do escárnio. O objetivo deste estudo é identificar
e analisar as manifestações de escárnio na tradição cultural luso-brasileira,
com base nas cantigas galego-portuguesas do século XIII e nas canções de
zombaria contemporâneas. Utiliza-se o paradigma indiciário de Ginzburg para detectar
e interpretar as representações e o imaginário social que orientam a produção
do gênero escárnio. A hipótese do estudo é que os autores se utilizam do
escárnio para legitimar e autorizar a discriminação e a zombaria contra as
pessoas que estão fora do padrão predominante em cada época, com foco em
gênero, idade, padrão corporal, estética e enquadramento moral. O corpus inicial
se compõe de 20 cantigas de escárnio e maldizer e 20 cantigas contemporâneas no
mesmo gênero, podendo ser ampliado, se não obtivermos saturação. O método de
análise dos textos prioriza o levantamento das construções e expressões mais
frequentes, com atenção para os efeitos de sentido que resultam do uso dessas
expressões. Procura-se verificar a proporção em que as expressões do passado se
mantêm e se parafraseiam nas manifestações contemporâneas do gênero discursivo
escolhido. A expectativa é que o estudo permita uma concepção alargada, de base
empírica, sobre o espírito zombeteiro da cultura do escárnio, favorecendo a
produção de materiais de ensino da língua e da cultura que privilegiem a
reflexão e a discussão sobre pontos críticos do imaginário brasileiro, em que
precisamos reinventar a tradição.
Palavras-chave: discriminação,
cultura medieval, cultura contemporânea, zombaria, cantigas de escárnio e
maldizer.
Em
primeiro lugar, chamamos a sua atenção para duas características do resumo como
gênero textual específico: ele deve assumir a perspectiva do texto original e
deve ser composto por frases sintaticamente desenvolvidas e bem ligadas umas às
outras, pelo fenômeno da coesão. Lembre-se: um resumo não é um esquema, nem um
fichamento!
Observe,
em seguida, que produzimos um resumo relativamente longo, com 298 palavras,
procurando caracterizar o projeto em seus pormenores. Contextualizamos o
projeto de pesquisa, mostrando em que universo nossa preocupação foi gerada e
está inserida, e por que e a quem o estudo em questão pode importar. Note
também que é importante chamar a atenção para uma lacuna no conhecimento
científico até então produzido que justifique a condução do trabalho que está
sendo resumido. Veja:
A atitude de escárnio contra as
pessoas que destoam do padrão está naturalizada na cultura luso-brasileira. Os
movimentos em prol da igualdade e plenitude dos direitos humanos convivem com
uma lacuna no conhecimento da origem e permanência dessa naturalização, que
precisam compreender, para lidar com esse imaginário de escárnio, agressão e
violência, que desqualificam e humilham os diferentes. Na cultura escolar, o
ensino fundamental defronta-se com o clímax do gênero discursivo do escárnio.
Apresentamos,
em seguida, nossos objetivos, isto é, o que esperamos que nossa pesquisa
realize.
O objetivo deste estudo é identificar
e analisar as manifestações de escárnio na tradição cultural luso-brasileira,
com base nas cantigas galego-portuguesas do século XIII e nas canções de
zombaria contemporâneas.
Depois,
localizamos o quadro teórico que nos orienta no estudo, citando explicitamente
um nome de referência e o que incorporamos das suas contribuições.
Utiliza-se o paradigma indiciário de
Ginzburg para detectar e interpretar as representações e o imaginário social
que orientam a produção do gênero escárnio.
O
projeto contém também uma hipótese clara, que busca responder, ainda que
provisoriamente, à questão que nos mobilizou.
A hipótese do estudo é que os autores
se utilizam do escárnio para legitimar e autorizar a discriminação e a zombaria
contra as pessoas que estão fora do padrão predominante em cada época, com foco
em gênero, idade, padrão corporal, estética e enquadramento moral.
Especificamos ainda com que dados
começaremos o estudo e registramos a possibilidade de ampliarmos nosso corpus,
se a análise mostrar que tal se faz necessário:
O corpus inicial se compõe de
20 cantigas de escárnio e maldizer e 20 cantigas contemporâneas no mesmo
gênero, podendo ser ampliado, se não obtivermos saturação com essa mostra.
Mostramos, no ponto seguinte, a
metodologia do trabalho, ou seja, como vamos proceder em nossa investigação e
na análise dos dados.
O método de análise dos textos
prioriza o levantamento das construções e expressões mais frequentes, com
atenção para os efeitos de sentido que resultam do uso dessas expressões.
Procura-se verificar a proporção em que as expressões do passado se mantêm e se
parafraseiam nas manifestações contemporâneas do gênero discursivo escolhido.
Por fim, explicitamos os resultados
esperados, englobando tanto frutos acadêmicos quanto eventuais contribuições à
sociedade de um modo geral.
A expectativa é que o estudo permita
uma concepção alargada, de base empírica, sobre o espírito zombeteiro da
cultura do escárnio, favorecendo a produção de materiais de ensino da língua e
da cultura que privilegiem a reflexão e a discussão sobre pontos críticos do
imaginário brasileiro, em que precisamos reinventar a tradição.
As
palavras-chave, conforme podemos verificar, ratificam o conteúdo do projeto,
retomando as ideias que se apresentam no resumo. Além disso, fornecem pistas
precisas para quem usa ferramentas de busca em catálogos ou bibliotecas, a fim
de localizar o texto em questão.
Palavras-chave: discriminação,
cultura medieval, cultura contemporânea, zombaria, cantigas de escárnio e
maldizer.
Atividade
A partir do que você acabou de estudar, elabore um resumo do
ensaio “Erros e mentiras”, de Stephen Jay Gould,
apresentado no início desta aula. Veja o fichamento que fizemos das ideias
principais do texto, releia o texto-fonte todo e o parafraseie, redigindo breve
resumo (de no máximo 50 palavras) sobre o conteúdo do artigo com suas próprias
palavras.
Resumo
O
progresso intelectual é uma rede complexa de fintas, maus começos e
experiências de tentativa e erro. Os erros mais freqüentes são os factuais
(premissas teóricas que se revelaram falsas ou exageradas), de julgamento
(cálculo político) e da convenção impensada (afirmações confiantes, que vão
transformando-se em certeza).
Resenha:
aprendendo a se posicionar
Passemos
agora às características básicas da resenha, com ênfase para a modalidade
conhecida como resenha crítica. O objetivo desse tipo de texto é orientar o
leitor em relação à relevância da obra resenhada e oferecer uma primeira
análise crítica do seu conteúdo e da forma de apresentá-lo. Portanto, dessa
resenha pode resultar a sugestão de que o leitor leia a obra. Quando estamos
buscando livros para uma determinada pesquisa, é muito comum, por exemplo, dar
uma olhada prévia em opiniões de resenhistas sobre essas obras, a fim de termos
indicações de quais textos servem melhor aos nossos propósitos. Porém, nesse
sentido é importante buscar resenhistas sobre os quais você tenha alguma
referência: esse é um trabalho que exige muita responsabilidade e competência,
já que envolve o risco de condenar ao esquecimento uma boa obra ou, ao
contrário, fazer alguém acreditar que seja imprescindível uma leitura
dispensável.
Como
vários outros gêneros acadêmicos, a resenha propriamente dita é precedida por
uma parte textual e seguida de uma parte pós-textual. Na parte pré-textual,
constam o título da resenha (em geral, distinta do título da obra resenhada) e
a autoria da resenha. Em seguida, os dados da obra resenhada: título, local de
publicação, editora, ano, edição, número de páginas e volumes, se houver.
Normalmente,
na parte textual o resenhista:
·
Apresenta as credenciais do
resenhado, sua instituição, formação acadêmica e produção;
·
Destaca as conclusões a que o autor
da obra chegou, ou que o resenhista identificou;
·
Descreve de forma sucinta os
capítulos ou partes em que se divide a obra;
·
Expõe os métodos de coleta e análise
dos dados, os instrumentos de coleta e organização do corpus, o modo de
apresentação dos resultados e as conclusões;
·
Indica a referência teórica do
trabalho, com a corrente de pensamento a que se filia e os autores
privilegiados;
·
Avalia a obra a partir do ponto de
vista da coerência entre a tese central e a sua sustentação, bem como a partir
do emprego de métodos e técnicas específicas;
·
Por fim, o resenhista avalia o mérito
da obra, sua originalidade e contribuição para o desenvolvimento da ciência,
quer por apresentar novas ideias e novos resultados, quer por utilizar
abordagem inovadora e relevante.
Na
parte pós-textual, constam as referências da bibliografia consultada
pelo resenhista.
Esse roteiro, no entanto, não deve servir como uma camisa-de-força, mas sim
como um auxílio a você na hora de escrever. Caso julgue apropriado, acrescente
ou retire alguns pontos dessa lista, apresentando-os na ordem que julgar mais
conveniente.
Para
vermos como isso funciona na prática, vamos ler uma resenha elaborada por
Newton C. A. da Costa, a respeito de um livro sobre a aplicação de teorias
matemáticas na área da Biologia. Repare que, desta vez, o texto que estamos
usando como modelo de resenha estará entremeado por vários comentários nossos,
que deverão mostrar a você os critérios que devem ser levados em conta na
elaboração e na avaliação de uma resenha. Atenção: primeiro estão destacados os
trechos da resenha; logo depois de cada um deles, nossos respectivos
comentários.
Uma obra didática original
Newton
C. A. da Costa
O livro Teoria Intuitiva dos
Conjuntos é o resultado da colaboração de um professor de Matemática e de
um biólogo, integrantes do Grupo de Lógica e Teoria da Ciência do Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
Veja
nessa primeira parte que, logo de início, o resenhista apresenta a obra de que
seu texto fala, bem como os autores do livro resenhado. Além de citar seus nomes,
porém, é importante dar indicações das credenciais do autor, como, por exemplo,
titulação acadêmica, outras obras famosas de sua autoria e instituição a que se
filiam.
Vale também frisar que toda resenha tem um título, que não se confunde com o
título da obra resenhada: trata-se de textos diferentes, de autores diferentes;
logo, seus títulos não podem ser iguais.
Destina-se a pesquisadores,
professores e alunos (de graduação e pós-graduação) das áreas de ciências
exatas e biológicas (para estas últimas tendo sido especialmente escrito), e
pode ser utilizado com proveito na área das ciências humanas.
É
interessante também, logo no início do texto, sinalizar qual é o público-alvo a
que o texto-fonte se destina. Assim, antes mesmo de percorrer toda a resenha, o
leitor já é capaz de avaliar se a obra ali analisada é do seu interesse e
atende as suas expectativas. Observe que o resenhista foi bastante preciso
neste caso, indicando as áreas do conhecimento a que o livro se refere
majoritária e minoritariamente, bem como as diferentes ocupações que os
interessados no livro podem ter.
A
abordagem utilizada é a teoria ingênua dos conjuntos (intuitiva, como
consta do título). É uma obra didática original, em que certos tópicos de
Biologia comparada são tratados pela primeira vez na literatura de maneira
sistemática, conjuntista.
A linguagem da Teoria dos conjuntos
é, em certo sentido, uma linguagem universal. Todo pensamento racional, em
particular o científico, é fundamentalmente conceitual. Procura-se compreender
e dominar a realidade através de redes conceituais. Ora, todo conceito possui
uma compreensão (ou intensão) e uma extensão: a primeira se constituindo pela
totalidade das notas que compõem um conceito e a segunda pelo conjunto (ou
classe) formado pelos objetos aos quais o conceito se aplica; assim, por
exemplo, o conceito homem possui uma intensão (ou compreensão) composta
por notas como ser, material, animado e racional; sua extensão se
identifica com o conjunto dos homens. A Lógica e a Matemática podem ser
definidas como ciências que se ocupam da estrutura formal dos sistemas
conceituais. Logo, têm a ver com as extensões dos conceitos e, sob certos
aspectos, toda a Matemática tradicional se reduz à Teoria dos conjuntos. Assim
sendo, não pode haver pensamento racional sem redes conceituais e, portanto,
sem Lógica e Matemática; ou seja, sem Teoria dos conjuntos. Deste modo,
verifica-se a universalidade da linguagem conjuntista e das teorias
correspondentes.
Esse
trecho, um pouco mais longo dos que os anteriores, tem uma função central na
resenha, pois apresenta um resumo da obra analisada. É importante que esse
resumo seja bem construído, pois é ele que permite ao leitor ter uma ideia da
abordagem do tema dada pelos autores, mesmo sem ter lido todo o livro; só assim
ele pode saber se o livro discute ou não questões do seu interesse.
Não
se esqueça de que tal resumo deve seguir as orientações vistas anteriormente
nesta aula: sintetizar as ideias centrais do texto-fonte, parafraseá-las e
concatená-las com elementos coesivos explícitos.
Por
tudo isto, parece razoável admitir-se que a Teoria dos conjuntos deve estar na
base de todas as ciências, pelo menos em princípio. Surpreendentemente, as
diversas ciências naturais e humanas normalmente se desenvolvem sem se dar
conta de seu caráter conjuntista. O grande mérito da obra de Abe & Papavero
é o de resgatar a relevância das ideias fundamentais da Teoria dos conjuntos
para a Biologia comparada e, em geral, para a Biologia, o que significa que
outras áreas da ciência também tirariam proveito de uma abordagem conjuntista.
Na obra em apreço, a demonstração da
relevância dos conjuntos para a Biologia não é apenas discutida, mas
demonstrada através de exemplos e aplicações (especialmente no Apêndice 2:
Operações com conjuntos e Taxonomia biológica, e no Apêndice 4: Relações de
ordem e Sistemática filogenética).
Entre
tantos livros no mercado, por que ler especificamente este que está sendo
resenhado? Essa deve ser uma preocupação constante do resenhista: dizer por que
a obra por ele analisada é (ou não) singular, o que acaba por encorajar o
leitor a tomar uma decisão acerca da validade do livro para seus interesses.
Veja que, nesse trecho da resenha que você acabou de ler, destacam-se
diferenciais do livro diante do que há no mercado.
O
presente volume possui quinze capítulos, assim distribuídos:
- A Teoria dos
conjuntos (onde é dado um breve histórico da criação da teoria por Georg
Cantor, e mostrada sua importância para as ciências matemáticas e as
ciências empíricas).
- Noções fundamentais.
- Subconjuntos.
- Operações com
conjuntos (I): Complementação.
- Operações com
conjuntos (II): Interseção.
- Operações com
conjuntos (III): União.
- Operações com
conjuntos (IV): Diferença.
- Produto
cartesiano.
- Grafos.
- Relações.
- Relações sobre
um conjunto.
- Relações de
equivalência.
- Relações de
ordem.
- Elementos
notáveis de um sistema ordenado.
- Reticulados.
Esses capítulos são entremeados por apêndices
(4 no total) que tratam geralmente de aplicações da Teoria de conjuntos no
campo da Biologia comparada, como já comentado acima.
Uma
boa resenha deve também apresentar a distribuição geral dos capítulos da obra,
o que permite uma visão panorâmica dos assuntos abordados e sua organização.
Quando você tiver de escrever sua própria resenha, lembre-se de que tal
informação pode ser facilmente recuperada no sumário do livro.
Um
segundo volume está em fase final de redação, completando assim a obra.
Convém lembrar aqui que existiram precursores
da aplicação sistemática da Teoria dos conjuntos à Biologia — notadamente
J. R. Gregg (com seu The language of taxonomy: an application of symbolic
logic to the study of classificatory systems,1954) e J. H. Woodger (com seu
The axiomatic method in biology, 1937, e Biology and language: an
introduction to the methodology of the biological sciences including medicine, 1952;
só para citar suas duas obras principais). Porém, trabalhos como os de Woodger
não eram funcionais, no sentido de não constituírem instrumento de
trabalho quotidiano para o biólogo, a não ser em questões mais profundas,
referentes à axiomatizacão e metodologia da Biologia. O presente livro, ao
contrário, fornece-nos uma formulação funcional, que pode ser usada no
dia-a-dia do biólogo (e de outros cientistas empíricos) e, inclusive, facilita
o ensino dessa ciência.
Além
de informar sobre uma futura continuação da obra – já em execução –, esse
trecho tem função importante na resenha, visto que situa a obra analisada no
panorama das outras já existentes acerca do mesmo tema. Além de isso sinalizar
possíveis influências que o livro resenhado recebeu de seus precursores, tal
passagem reforça o diferencial da obra que recomenda em relação às demais.
Os autores estão de parabéns por
terem sido pioneiros em uma revolução coperniciana na Biologia!
Por
fim, uma resenha deve ser arrematada com uma apreciação geral da obra, bem como
uma recomendação (ou não) de leitura. No caso que estamos analisando, a
conclusão poderia ter sido mais desenvolvida, mas sua brevidade não compromete
o valor do texto nem a realização de seu objetivo: avaliar a obra Teoria
Intuitiva dos Conjuntos, recomendando sua leitura.
Como
você pôde ver, a resenha é um texto ainda mais autônomo do que o resumo, uma
vez que, além da paráfrase das ideias centrais do texto-fonte, o resenhista
deve incluir e justificar suas opiniões acerca da obra, recomendando ou não sua
leitura. Isso exige boa capacidade de leitura e síntese, bem como o
desenvolvimento da argumentação, como você viu na aula 5.
A partir do que você acabou de estudar, elabore uma resenha do
ensaio “Erros e mentiras”, de Stephen Jay Gould, apresentado no início desta
aula. Repare que, em geral, uma resenha se refere a uma obra mais longa, como
um livro. No entanto, por questões de ordem prática, pedimos aqui que você
pratique a redação desse gênero a partir de um texto base menor, como o ensaio
de Gould.
Para realizar a tarefa que propomos, leve em consideração o
resumo que você elaborou na atividade 2 desta aula. Ademais, lembre-se de que,
além da síntese das ideias do ensaio, sua resenha deve conter uma apresentação
do autor e do contexto de publicação da obra, uma avaliação bem fundamentada da
mesma e uma indicação do público a quem ela se destina.
A inerência do erro na ciência
Elaine de A. de Lourenzo
O texto “Erros
e mentiras” é um fragmento do ensaio do biólogo Stephen Jay Gould,
publicado na Revista de Educação Pública do CECIERJ.
A ideia defendida no texto é que nenhuma das
grandes obras da ciência jamais foi isenta de erro, pois o progresso
intelectual é uma rede complexa de fintas, maus começos e experiências de
tentativa e erro.
Para sustentar sua tese, o autor explora
brilhantemente os erros cometidos por Darwin, em “A origem das espécies”, dividindo-os em três categorias: erros
factuais (previsões feitas a partir de premissas teóricas que se revelam falsas
ou exageradas), erros de julgamento (erros de cálculo político) e erros da
convenção impensada (afirmações confiantes, que vão transformando-se em
certeza). Todos muito bem exemplificados no texto original.
Por estar abordado de maneira ampla e com
argumentos tão bem fundamentados, o texto torna-se interessante não só para os
estudiosos da Biologia, mas também para todas as pessoas voltadas para qualquer
área científica.